sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

ANO NOVO (II)


   Nosso presente de Natal foi a caixa com a Poesia Completa de Cecília Meireles, publicado pela Global, em dois volumes, com coordenação editorial de André Seffrin.
   Antes que os foguetes espoquem e as luzes brilhem nos céus do planeta, bem antes disso, topei com um poema que preciso registrar aqui. Está no livro "Metal Rosicler", de 1960.


   36

   Não temos bens, não temos terra
   e não vemos nenhum parente.
   Os amigos já estão na morte
   e o resto é incerto e indiferente.
   Entre vozes contraditórias,
   chama-se Deus onipotente:
   Deus respondia, no passado,
   mas não responde, no presente.
   Por que esperança ou que cegueira
   damos um passo para a frente?
   Desarmados de corpo e alma,
   vivendo do que a dor consente,
   sonhamos falar   - não falamos;
   sonhamos sentir  -  ninguém sente;
   sonhamos viver  -  mas o mundo
   desaba inopinadamente.

   E marchamos sobre o horizonte:
   cinzas no oriente e no ocidente;
   e nem chegada nem retorno
   para a imensa turba inconsciente.
   A vida apenas à nossa alma
   brada este aviso imenso e urgente?

  Sonhamos ser. Mas ai, quem somos,
  entre esta alucinada gente?
  
                                    Cecília Meireles

   E então? Desarmado de corpo e alma, vivendo do que a dor consente, talvez eu esteja pronto para o novo ano. E vocês?

 

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