sexta-feira, 29 de setembro de 2017

MINHA SANDÁLIA HAVAIANA

Baixar EGI TUBE: Chinelo remendado

    Veio pelo WApp, semana passada, foto de uma sandália havaiana toda estropiada, com seus pedaços ligados por arames e fios. E um áudio em que o sujeito lá dizia que, se quebrasse de novo, jogaria fora a sandália.
     Claro que a mensagem me remeteu imediatamente à minha distante infância no sertão do São Francisco. Tempo em que produtos industrializados eram raros - falo dos anos 1960, antes de o asfalto nos estragar de vez a vida. 
     O que me chegou pelo zap era bem comum, naquele tempo, ou seja, remendar os calçados. Todos os calçados. Botar meia-sola em sapato, trivial. Repor tiras em sandália de couro, normal. Isso, sem falar em trocar saltos, fivelas e quejandos. Havia vários sapateiros no lugar.
     As havaianas eram frágeis para o puxado do areão das ruas, da lama da beira do rio, dos gravetos da caatinga. Fatalmente quebravam as tiras ou folozavam os encaixes (para não dizer buraquinhos) e viviam soltando as pontas.
     Pessoal, aquilo parecia um ato libidinoso.  Eu, menino, cansei de passar sabão no orifício para poder meter lá, de novo, a cabeça da tira solta. E quando o buraco folgava de vez, não havia outro jeito: enfiava-se um prego na transversal para prender a ponta com firmeza por baixo da sandália. Não sei se consegui me explicar direito, mas quem passou por isso sabe do que estou falando.
     E quando rompia a tira, juntava-se os dois pedaços no bico da chama de um isqueiro, ou coisa parecida, e quando a borracha começava a derreter juntava-se as pontas que, a frio, emendavam-se. Coisa precária, mas que dava uma sobrevida à sandália.
      Tudo isso porque, ontem à noite, minha sandália havaiana quebrou a tira. E nada disso é mais possível, perdeu seu tempo de ser. E como o dia passou e não comprei outra, estou agora de pés na cerâmica fria, enquanto escrevo estas linhas. O tempo de ser...

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

LIÇÕES DE ROTEIRISTAS, KEVIN CONROY SCOTT



   O livro foi lançado pela Civilização Brasileira em 2008, com tradução de Beatriz Penna Vogel e Angélica Coutinho. São 19 entrevistas reunidas em 391 páginas. Um volume que começo hoje a enfrentar com o meu já confessado ritmo stop and go de leitura. Mas adianto algumas pérolas do primeiro entrevistado, Ted Tally, que adaptou o romance de Thomas Harris para o aclamado "Silêncio dos inocentes", dirigido por Jonathan Demme, com Jodie Foster e Anthony Hopkins representando os principais papéis. E essa foi uma sábia decisão do idealizador e organizador do volume, KC Scott, a de entrevistar o roteirista sobre um, e apenas um, roteiro por ele desenvolvido. Assim aprofunda as questões e aproxima o leitor que, obviamente, assistiu ao filme, desse trabalho fundamental para a indústria cinematográfica, o da construção de um bom roteiro.

   TED TALLY

   Parece que é sempre banquete ou fome. Não tenho nenhum tipo de plano de ação. Posso ficar três ou quatro anos sem fazer nenhum filme e depois dois ou três serão feitos ao mesmo tempo. Não acho que exista muita lógica nesse negócio.

   ...trabalho a partir do tratamento, que tem como objetivo ser uma ferramenta, reduzir o livro a um nível manejável e me dar a ilusão de que tenho um guia para o roteiro. Nunca funciona exatamente assim: quando se está escrevendo, a gente descobre continuamente que aquilo que achava necessário no final das contas não é, então arranca três páginas do tratamento, joga-as fora e faz uma outra coisa, improvisa. Eu queria que houvesse uma maneira de saber essas coisas com antecedência, pouparia muito tempo e muito sofrimento.

   Alguém disse, e não é um grande exagero: "Em um roteiro, a única coisa que importa são as primeiras dez páginas, e a única coisa que importa em um filme são os últimos dez minutos." Do ponto de vista de Hollywood, há uma certa verdade nisso. Se as primeiras dez páginas não prenderem o agente, então ele não vai dizer para o cliente [...] lê-lo. Se o público não sair feliz após os últimos dez minutos, então não irá recomendar o filme aos amigos.

    ...há nove ou dez cenas-chave que irão contar a história. Então a questão é: o que fazer com aquelas realmente interessantes que não se encaixam naquele cenário? E o que fazer quando existem aquelas terríveis lacunas entre elas: qual é o novo material de ligação e qual o novo ritmo? Porque não se mantém o ritmo do livro. 

   Como roteirista, sempre se pressupõe que o público  é como você próprio, e então presumi que, se eu me preocupava tanto com esse personagem, o público faria o mesmo.

   A realização da vida que você criou como roteirista é uma coisa impressionante de se testemunhar, especialmente pela primeira vez. William Goldman diz que o dia mais excitante da vida de um roteirista é o primeiro dia em que ele está no local da filmagem daquilo que escreveu, e o dia mais chato de sua vida é o segundo. O que é uma certa verdade.

   Gumb é um personagem muito mais rico no livro. No filme, ele realmente está reduzido a quase nada [...] eu na verdade não queria saber muita coisa a respeito de Gumb se Clarice não soubesse. Não queria pôr a plateia em posição superior a ela, porque isso teria rompido a ligação com ela.

   Usávamos o livro como nossa bíblia e, onde víamos uma oportunidade de levá-lo adiante, nós o fazíamos.

    O roteiro refletia o livro, que tinha barras e rede na cela. No último instante, Jonathan descobriu que efetivamente não poderiam filmar aquilo  -  não se poderia ter um olhar desobstruído para seus rostos, porque a emoção ficaria enfraquecida. Então a máscara de borracha foi um improviso desesperado no local da filmagem. Depois descobriram que a máscara poderia ajudar [...] visualmente, mas os atores não conseguiriam ouvir um ao outro. Então, os buracos foram improviso em cima de improviso.

   Todos os roteiros e tudo o que é escrito para cinema parecem voltar à mesma coisa, que é aprender o que se pode dispensar.


   E muito mais. Não garanto, mas adiante pretendo postar excertos extraídos das outras entrevistas. Estão ainda no livro, por exemplo, Chris Wetiz (Um grande garoto), Wes Anderson (Três é demais), Darren Aronofsky (Réquiem para um sonho), David O. Russel (Três reis), Guillermo Arriaga (Amores brutos).
   Inté.