domingo, 18 de setembro de 2016

A COMITIVA, O CHÃO QUE EM MIM SE MOVE



     A noite fechou-se em volta de Onofre.
   Os barulhos da noite são imutáveis, variam apenas sequência e tom. Trinados, coaxares, latidos, miados, balidos, mugidos, turros, gemidos, suspiros, roncos, deslizares de lagartixa pelas paredes e telhas e principalmente estalos, muitos estalos, de diversas procedências, todos secos como seco é o pipoco de uma bala, alongam-se, sucedem-se, sobrepõem-se, aglutinam-se, entrechocam-se, embaralham-se fragilmente antes de os cantares de galos ordenarem o novo dia. Onofre ouviu-os todos durante a noite anterior, a mente a procurar um traço de ordem na anarquia da trilha sonora noturna.
   Onofre era um homem prático e sabia que não restava saída senão se preparar para o enfrentamento, mesmo a contragosto, pois se apreciava uma farra era porque não gostava da solidão de fugas e prisões. Era azeitar e carregar o revólver, e esperar, o que fez tão logo o dia se aprontou. Zaquia Bento viria, como de fato veio; traria homens armados, como de fato trouxe; e Angelina apareceria para tocar fogo nas brasas, como de fato apareceu e se fazia notar da cozinha.

   

Trecho do conto "A comitiva", de "O chão que em mim se move", de Carlos Barbosa, Penalux, Guaratinguetá/SP, 2016. O livro está à venda no site da editora (www.editorapenalux.com.br)

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