sexta-feira, 10 de junho de 2016

PROUSTIANAS 2


   É preciso que a obra [...] crie ela própria sua posteridade.

   [...] o que chama à vida as possibilidades ou dela as exclui não é forçosamente da competência do gênio; pode-se ter sido gênio e não haver acreditado no futuro dos caminhos de ferro ou dos aviões, como se pode ser grande psicólogo e não crer na falsidade de uma amante ou de um amigo, cujas traições poderiam ser previstas por gente mais medíocre.

   Só nas vidas realmente viciosas é que o problema moral se pode apresentar em toda a sua força de ansiedade. E a esse problema dá o artista uma solução, não no plano da sua vida individual, mas do que é para ele a sua verdadeira vida, uma solução geral, literária. Como os grandes doutores da Igreja começaram muita vez, sem deixar de ser bons, por conhecer os pecados de todos os homens, para disso tirar a sua santidade pessoal, muita vez os grandes artistas, embora maus, se servem de seus vícios para chegar à concepção da regra moral de todos.

   Três quartos do mal das pessoas inteligentes provêm da sua inteligência.

   [...] a nossa memória não nos apresenta habitualmente as recordações na ordem cronológica, mas como um reflexo onde está alterada a ordem das partes...

   No tocante às mulheres que não nos amam, como no caso dos "desaparecidos", saber que nada mais se tem que esperar não impede que continuemos a esperar.

   Elástico é o tempo de que dispomos cada dia; as paixões que sentimos o dilatam, as que inspiramos o encurtam e o hábito o enche.

   Não era a primeira vez que eu reconhecia que as criaturas que amam não são as mesmas criaturas que gozam.

 
Extraídos de "À sombra das raparigas em flor", vol. 2 de "Em busca do tempo perdido", de Marcel Proust, tradução de Mário Quintana, editora Globo, Porto Alegre, 2a. edição, 1973.

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