segunda-feira, 30 de maio de 2016

VOZES DE TCHERNÓBIL, SVETLANA ALEKSIÉVITCH (2)



 

   Uma coletânea impressionante de depoimentos viscerais sobre a tragédia de Tchernóbil.
   Um povo marcado pelo estigma do totalitarismo: subserviência, obediência cega, medo das autoridades, confiança absoluta nas armas.
   Um inimigo invisível, uma guerra que não podia ser vencida, enfim.
   Uma usina nuclear construída como se fosse uma granja.
   Mentiras e silêncio para não disseminar o pânico: não distribuíram máscaras e roupas especiais e tudo não passava de um incêndio sob controle.
   Quase ninguém sabia o que fazer. E quem sabia era impedido de fazer. A KGB no controle.
   Homens subindo no teto do reator de mãos limpas e camisetas.
   "Para a liquidação das consequências do acidente destinaram um total de 210 unidades militares, ou seja, cerca de 340 mil militares". "Usavam as botas de cano longo habituais e permaneciam de um minuto e meio a dois por dia no teto. E em seguida, davam-lhes baixa do Exército, um diploma e um prêmio de 100 rublos. E eles desapareciam nos espaços infinitos de nossa pátria". "Pelo teto do reator passaram 3,6 mil soldados".
   Heróis diplomados. Todos mortos pela radiação.
   Aldeias evacuadas pela manhã, reocupadas na calada da noite: um povo que não entendia o motivo daquela movimentação se o inimigo não era visível, se as macieiras davam frutos, se a água continuava boa de beber. Um povo que ria dos cientistas e fazia piada com radiação.
   Um território proibido que, mais tarde, serviria de refúgio a sobreviventes de guerras intestinas, como a da Chechênia.
   Um episódio que contribuiu, em muito, para a derrocada do totalitarismo comunista, para a Perestroika.
   Um livro que recupera aqueles dias de horror com uma força digna da melhor literatura. Uma autora que deixa as vozes comandarem a narrativa, que pouco interfere, e quando faz, é brilhante.
   "A memória nos inspira. Nós sempre vivemos no terror, somos capazes de viver no terror; é o nosso habitat. E nisso, o nosso povo não tem rivais...", diz um dos testemunhos.


Vozes de Tchernóbl, Svetlana Aleksiévitch, tradução de Sonia Branco, Companhia das Letras, 2016.

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