sexta-feira, 13 de maio de 2016

HISTÓRIA DO NOVO SOBRENOME, ELENA FERRANTE




    Trata-se do segundo volume da série napolitana assinada por Elena Ferrante, pseudônimo adotado por escritora (ou será escritor?) italiana, cuja identidade ainda não foi desvendada ou revelada. O primeiro volume, "A amiga genial", penso ter comentado aqui tempos atrás. As amigas Lila e Lena enfrentam a espinhosa tarefa de amanhecer e anoitecer em bairro da periferia de Nápoles, comunidade marcada pela atividade mafiosa, violência machista e labor operário desesperançado. E por uma juventude ansiosa por aventura e riquezas. Lila e Lena, Rafaella e Elena, amigas inseparáveis, cuja amizade é composta por movimentos de amor, ciúme, disputa, ódio e quetais, tão afins à natureza humana. Leitura mais que recomendável, necessária. 
   Aí vai um trecho de "História do novo sobrenome":
   
   "Tudo mudara rapidamente em sua cabeça. De repente, já não dava a mínima para a história dos sapatos, aliás, não conseguia sequer entender por que se incomodara tanto ao vê-los nos pés de Marcello. Agora, ao contrário, o que a aterrorizava e causava sofrimento era a grossa aliança que brilhava em seu anular. Repassou incrédula as cenas do dia: a igreja, a cerimônia religiosa, a festa. O que é que eu fiz, pensou aturdida pelo vinho, e o que é esse círculo de ouro, esse zero reluzente em que pus meu dedo. Stefano também tinha um, que brilhava entre os pelos pretíssimos, dedos velosos, como se dizia nos livros. Lembrou-se dele em calção de banho, como tinha visto na praia. Tórax largo, patelas grossas que nem tigelas emborcadas. Não havia sequer um mínimo detalhe dele que, uma vez evocado, lhe revelasse algum encanto. Agora era um ser com quem se sentia incapaz de compartilhar o que quer que fosse, mas que no entanto estava ali, de paletó e gravata, movendo os lábios túrgidos e coçando um lóbulo da orelha carnuda, enquanto às vezes estendia o garfo para provar do prato dela. Não tinha nada ou muito pouco do vendedor de embutidos que a atraíra, do jovem ambicioso e muito seguro de si, de boas maneiras, do noivo daquela manhã na igreja. Exibia mandíbulas muito brancas, uma língua bem vermelha no oco escuro da boca, algo nele e em torno dele se rompera. Naquela mesa, no vaivém dos garçons, tudo o que a tinha levado até ali, a Amalfi, lhe pareceu esvaziado de qualquer coerência lógica e mesmo assim era insuportavelmente real. Por isso, enquanto naquele ser irreconhecível o olhar se acendia à ideia de que a tempestade passara, de que ela entendera suas razões, de que as aceitara, de que podia finalmente expor seus grandes projetos, ela teve o lampejo de surrupiar da mesa uma faca para enfiá-la em sua garganta quando, no quarto, ele tentasse tocá-la."


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