sábado, 21 de maio de 2016

A MUDANÇA



   Muita gente participou da mudança. Mudança pra ser feita no muque, nas costas, em procissão de móveis, panelas e caixas, que atravessaria a cidade. E começou com cantorias, mutirão entusiasmado.
   Na primeira esquina, começaram as deserções. Um torceu o pé; outro, alegou problemas de coluna; e um terceiro já era líder de um surdo movimento antimudança.
   Na segunda esquina, havia uma procissão paralela de mãos abanando, movida a cachaça e chistes.
   Na terceira, deserções ampliadas, descobriu-se que cambistas faziam a festa, vendendo folgas e substituições; na vanguarda, o dono da mudança acenava para o povo nas calçadas e distribuía copinhos de batida de limão, tudo zero-oitocentos.
   Na quarta esquina, notou-se que parte dos móveis, utensílios e caixas não pertencia à mudança. O dono da mudança, chamado às falas, disse não saber de nada.
   Chamaram a polícia. A mudança empacou. Depois teve seu caminho desviado por piquetes policiais, mediante negociação esconsa, segundo denúncias que partiram da calçada defronte.
   Acabaram-se as esquinas e a turma do mutirão reparou, de repente, que não sabia o endereço de entrega da mudança. Procuraram pelo dono, o agitador do mutirão.
   Procuram por ele até hoje, com a mudança nas costas.



O miniconto "A mudança" integra meu livro "A segunda sombra", publicado pela Multifoco/RJ, em 2010, e foi lembrado por uma das alunas do Joseilton Bonfim, na Uneb, na quinta-feira passada, por lembrar, segundo ela, o momento atual que o Brasil atravessa. Não sei dizer, é uma leitura.

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