sexta-feira, 21 de agosto de 2015

A AMIGA GENIAL, ELENA FERRANTE



   A culpa era dela. Num tempo não muito distante - dez dias, um mês, quem sabe, na época ignorávamos tudo sobre o tempo -, ela pegara minha boneca traiçoeiramente e a jogara no fundo de um porão. Agora estávamos subindo juntas em direção ao medo, antes nos sentíamos obrigadas a descer, correndo, rumo ao desconhecido. Para o alto, para baixo, parecia sempre que estávamos indo ao encontro de algo terrível que, mesmo existindo antes de nós, era a nós e sempre a nós que aguardava. Quando se está no mundo há pouco tempo, é difícil entender que desastres estão na origem do nosso sentimento de desastre, talvez nem se sinta a necessidade de compreender. Os grandes, à espera de amanhã, se movem num presente atrás do qual há o ontem ou o anteontem ou no máximo a semana passada, não querem pensar no resto. Os pequenos não sabem o significado do ontem, do anteontem, nem de amanhã, tudo é isto, agora: a rua é esta, o portão é este, este é o dia, esta, a noite. Eu era pequena e, no fim das contas, minha boneca sabia mais do que eu. [...].



   Trecho de "A amiga genial", de Elena Ferrante, pseudônimo de uma escritora italiana que tem sido saudada como uma das mais fortes vozes da literatura contemporânea. O volume que leio, primeiro de uma tetralogia, integra a Biblioteca Azul, da Editora Globo, 2015, com tradução de Maurício Santana Dias. 

   Reclusa, Ferrante concede entrevistas apenas por e-mail e por intermédio do seu editor. Disse ela recentemente ao jornal O Globo: — No que posso, participo da vida pública, mas tenho uma opinião negativa do protagonismo e de todas as amplificações e distorções da mídia. Prefiro me expressar com a escrita, um meio de amplo controle. Quanto às entrevistas, faria tudo o que me pedem se não tivesse medo de resultar chata, repetitiva, e sobretudo se pudesse, como neste caso, escrever eu mesma as respostas. Não confio em minha oralidade, nas palavras improvisadas e, perdoe-me, em como os entrevistadores frequentemente abusam delas, quando as colocam por escrito.

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