sábado, 21 de fevereiro de 2015

CONSTERNAÇÃO, JÁDSON BARROS NEVES



    Um livro de contos que nos revela o mundo dos posseiros, garimpeiros, fazendeiros e bichos de todo porte e peçonha, que habitam, ou transitam, pela selva brasileira. Ou pelo que foi selva, um dia. Homens e mulheres que labutam no limite de sua capacidade de sobrevivência e que, mesmo assim, não desaprendem amizade e amor.
    O que mais me agradou no conjunto dos contos foi o conteúdo de verdade que brota da leitura. O leitor enfrenta ao lado dos personagens o calor, as mutucas, a chuvarada constante, e por pouco não sai do livro sangrando por conta de uma afiada faca de picar fumo ou por uma bala de 44.
     Jádson Neves conhece o mundo que narra. Isso, por si só, não é garantia de boa literatura, mas em "Consternação" verifica-se facilmente ser a base das narrativas. E o sumo da linguagem certeira, sem garranchos a atrapalhar a viagem do leitor. 
     "Consternação" me foi indicado pelo escritor Roniwalter Jatobá, em nosso mais recente encontro, como um livro de valor, que merecia ser lido. Nesse rescaldo de carnaval, fundi o ouro em pó dos contos e o desvario da aventura humana com o sangue que inevitavelmente se derrama ao viver e morrer em terras brasílicas. E entrego aqui a vocês minha recomendação de leitura. 



Consternação, de Jádson Barros Neves, saiu pela editora baiana Casarão do Verbo, em 2013, e reúne 14 contos em 184 páginas.
Imagem: Bol Fotos.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O REI DE AMARELO, ROBERT W. CHAMBERS


DESTINO

     Cheguei à ponte pela qual poucos podem passar.
     - Passe! - gritou o vigia, mas eu ri.
     - Ainda há tempo - retruquei; ele sorriu e fechou os portões.
     À ponte pela qual poucos podem passar chegavam jovens e velhos. Todos foram barrados. Fiquei ali à toa e os contei, até que, cansado do barulho e das lamentações, voltei à ponte pela qual poucos podem passar.
     - Ele chega tarde demais! - gritaram os que estavam na multidão diante dos portões.
     - Ainda há tempo - retruquei.
     - Passe! - gritou o vigia quando entrei; então ele sorriu e fechou os portões.


"Destino" é o quarto fragmento do conto "O paraíso do profeta", que integra o livro "O rei de amarelo", de Robert W. Chambers. Publicado pela Intrínseca, em 2014, com tradução de Edmundo Barreiros e comentado por Carlos Orsi. O texto original data de 1895 e é considerado um marco da literatura fantástica, inspirada em Wilde e Baudelaire, e inspiradora de gerações posteriores de autores da ficção de terror e científica.
"O rei de amarelo" reúne dez contos em duas partes distintas. A primeira, composta por cinco contos, tem como referência o livro fictício do mesmo nome que possuía o condão de escandalizar e mudar para sempre a vida das pessoas que o liam. Citações e personagens se repetem nos contos, criando uma mitologia própria (Carcosa, Harbus, Hali).
O conto "O paraíso do profeta", o sexto da coletânea, é uma reunião de minicontos, ou poemas em prosa, separa as duas partes do livro. A segunda parte é composta por quatro contos, conhecidos como "quarteto das ruas", tendo Paris como cenário.
Leitura impressionante, recomendável.
O exemplar que leio me foi presenteado por Ruy Espinheira Filho, em meu aniversário do ano passado. Ainda há tempo.